Search for:

O estado do Rio Grande do Sul vive um dos momentos mais tristes, se não mais tristes, de sua história. A enchente atual, que é a maior já vista no Rio Grande do Sul, foi responsável por tirar milhares de famílias de suas casas e até agora foram contabilizadas num número subestimado, porque quando a água baixar, aí sim a gente vai ver o tamanho da tragédia.

Centenas de mortes, que provavelmente chegaram a milhares, e com 350 cidades decretando estado de calamidade pública.

Ao todo, são mais de 1,5 milhão de pessoas afetadas e o pior é que esse problema não acabou, tendo em vista que ainda há previsão de fortes chuvas para os próximos dias, com alerta de perigo extremo de tempestade e com a capital, Porto Alegre, tendo que fazer racionamento de água, porque 85% da população não tem acesso à água potável nesse momento.

Isso vai afetar todo o nosso país, tendo em vista a representatividade econômica que o Rio Grande do Sul tem na composição do nosso PIB.

As chuvas que atingiram a região fizeram com que o Rio Guaíba atingisse seu nível mais alto desde 1941. Então você deve ter ouvido que era a pior tragédia desde 1941, agora é a pior tragédia da história.

Já até passou a de 1941, porque em 1941 o nível do rio chegou a 4,76 metros, foram 24 dias de chuvas seguidos naquela época. E agora, no último dia 4 de maio, foi registrado que o Guaíba passou de 5 metros, chegou a bater 5,3 metros de altura.

Tamanha a gravidade do que está acontecendo, o Instituto de Pesquisa Hidráulica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul divulgou nessa terça, dia 7, que a previsão deles para que o Guaíba volte para o seu nível abaixo da cota de inundação, que é um nível de 3 metros, é de 30 dias. Ou seja, um mês para que o rio possa voltar àquilo que seria mais ou menos o seu normal, a ponto de não cobrir a cidade.

Motivos da tragédia, enchente, no Rio Grande do Sul

Mas por que isso está acontecendo? Indo por partes, vamos pegar primeiro a região do Vale do Taquari, onde o Rio Taquari passou dos 30 metros de altura. Essa é uma das regiões mais afetadas pelas chuvas, ela abrange 40 municípios na parte central do estado do Rio Grande do Sul. Lá a gente teve um volume de chuvas muito acima do normal, que chegou a 551 milímetros. E aí com esse solo muito encharcado, os rios menores começaram a correr para a direção do Taquari, que recebeu toda essa vazão de água e rapidamente chegou até 30 metros de altura, causando inundações nas cidades em volta.

Três fenômenos contribuíram para que isso acontecesse. O primeiro deles são ventos úmidos vindos da região amazônica, junto a uma forte frente fria presente na região sul, somado a uma área de alta pressão no centro do país, que impediu que essas chuvas que estão na região sul se deslocassem para outras áreas, de modo que elas permaneceram estacionadas em cima do estado até agora.

Esse aglomerado de fenômenos faz parte daquilo que a gente conhece como o El Niño, aquele fenômeno que se oriunda do aquecimento das águas do Pacífico. E essa região tem uma característica que potencializou o aumento da tragédia, que é o fato de que as cidades foram construídas em locais que são chamados de planícies de inundação, que são áreas que, naturalmente, podem se alagar quando os rios têm um volume maior de água, só que agora o volume foi colossalmente maior.

E é por isso que a gente vê fotos de cidades, aquelas fotos de antes e depois que você deve ter visto em redes sociais, onde a cidade inteira está embaixo d’água. E além de todo o caos humanitário, desses prováveis milhares de mortos, das pessoas tendo que sair das suas casas, de problemas até das pessoas nos abrigos. Já tem casos de crianças que foram vítimas de abuso sexual porque não estão com os pais perto. Enfim, é uma tragédia sem precedentes.

Possíveis Impactos na Economia Regional e Nacional

Ainda tem a parte econômica. E é aí que muita gente pode se surpreender, porque o Rio Grande do Sul não é uma ilha que está isolada do restante do país, de modo que as consequências vão se espalhar por todo o território nacional.

Contextualizando para que vocês possam entender, o Rio Grande do Sul, apesar de ser apenas o nono estado em extensão territorial, ele é o quinto mais importante na composição do PIB do Brasil. Ele sozinho é responsável por cerca de 6% do PIB. Citando dados de 2023, foram 640,23 bilhões de reais em termos de participação.

Boa parte disso vem da atividade agropecuária, que é responsável por 40% do PIB do estado, e onde o Rio Grande do Sul tem destaque, por exemplo, na produção de arroz, ele é o maior produtor do país e o segundo maior de soja. Fora que ele é representativo em várias outras áreas, como nos seus rebanhos, por exemplo.

Felizmente, a colheita de soja foi afetada, mas não tanto quanto poderia ser, porque antes das inundações, o trabalho de colheita já tinha sido feito em cerca de 70% da área cultivada. No entanto, os outros 30%, que representam uns 2 milhões de hectares, umas 6,5 toneladas, não foram colhidos ainda, e com isso as estimativas é que a safra pode cair cerca de 15% por conta das chuvas.

E aí cabe lembrar que o impacto sobre uma colheita de soja não se reduz apenas ao produto. É raro que você veja alguém comendo soja em casa. Agora, a soja pode se transformar em uma série de outros produtos que são utilizados pelas pessoas ou em ração de rebanhos.

Então, pegando os produtos temos desde o óleo de soja que você usa pra fritar alguma coisa em casa, até leites e sucos, cosméticos, sorvetes, papinha pra beber, salsicha, tintas à vernizes. E um raciocínio similar também vale para a safra de arroz.

O arroz é muito consumido pelas pessoas, é o segundo alimento mais consumido pelo brasileiro, atrás apenas do café, e também serve pra alimentar rebanhos, no caso de suínos e aves.

Então, a menor colheita de arroz afeta o brasileiro como um todo, mas afeta também os rebanhos, levando o preço da carne suína, do frango, no caso da soja, da carne bovina, para patamares mais altos.

Para vocês terem uma ideia, da produção de arroz nacional, o Rio Grande do Sul é responsável por quase 70%. Dessa produção, uns 80% já tinham sido colhidos. Só que um ponto é que essa colheita, depois que ela é feita, deixa o arroz armazenado. Então pode ser que, mesmo colhido, você tenha uma perda por conta do local de armazenamento. E um outro ponto é a dificuldade de escoar a produção, uma vez que várias estradas estão intransitáveis, devido ao grande volume de chuvas.

Segundo o cálculo da consultoria Data Agro, o prejuízo pode chegar, na colheita de arroz especificamente, a 68 milhões de reais. Outros dois itens que podem ser afetados são trigo e milho.

Se a gente pega o trigo, o Rio Grande do Sul é responsável por mais ou menos metade da produção do país. Muitos moinhos estão inundados e não se sabe quais são as condições dos grãos que estão em seus armazéns. Esse é o segundo fenômeno climático de excesso de chuva no mesmo ano comercial. Vamos lembrar que, no final do ano passado, o Rio Grande do Sul também foi vítima de chuvas muito fortes. Só que agora essas fazem aquele problema parecer pequeno, embora também tenha sido muito sério.

Com isso, o sentimento na cadeia tritícola é de total pessimismo. Sabendo que existem outras prioridades no momento, prefiro não indicar patamares de possíveis preços. Porém, parece pouco provável que não ocorra um reajuste nas cotações.

Ou seja, preços para cima também. Mesma coisa na questão do milho, que, novamente, também é um alimento que se transforma em ração de animais. E se a gente pega o resumo dessa parte do agro, todo o potencial de perda que a gente tem na região sul por conta das chuvas, há uma estimativa feita pela Confederação Nacional dos Municípios que mostra que o setor será afetado em cerca de 570 milhões de reais. 435 milhões no setor agrícola e 135 milhões na parte da pecuária gaúcha.

Esses impactos são calculados abrangendo produção, escoamento, já que está mais difícil por conta das estradas, mão de obra impactada, já que vai ter muita gente que vai quebrar e esse pessoal que quebra para de empregar os outros, esse pessoal que agora não tem emprego e não tem renda, não consome, o consumo deles impacta na variação da renda de outra pessoa, então prejudica toda essa roda da economia.

E vamos lembrar que o setor do agro, pegando estatísticas no país, é responsável por 27% dos empregos. Sendo que, como a gente já viu, o Rio Grande do Sul é um estado importante para esse setor. Contudo, os impactos não se restringem somente ao agronegócio.

Já que no Rio Grande do Sul você também tem grandes empresas, e todas elas acabaram sendo afetadas. Algumas mais diretamente, outras menos. Citando alguns casos, a Gerdau, por exemplo, uma produtora de aços do país, paralisou suas operações em duas unidades em Sapucaia do Sul, onde eles empregam mais de 2 mil pessoas.

A Braskem, no polo petroquímico de Triunfo, as operações também foram paralisadas. Várias outras empresas deram férias para seus colaboradores, porque é quase impossível na região sul que uma pessoa não tenha parentes ou pelo menos conhecidos que foram afetados por conta das chuvas.

Um outro ponto é que o Rio Grande do Sul também é um destino turístico.

O pessoal vai pra Gramado, pra Canela, vai conhecer vinícolas. E estamos chegando numa época do ano em que você tem mais turismo. Então, novamente, nós temos mais um setor que é afetado.

E aí, como eu disse, a gente tem que lembrar que os impactos econômicos não ficam apenas na região sul.

Porque se, por exemplo, você tem o preço de soja subindo, e as pessoas usam muito óleo de soja em casa, do arroz subindo, e é o segundo maior alimento consumido pelo brasileiro, da carne de frango subindo, do suíno subindo, dos ovos subindo, da carne bovina subindo, fora outras lavouras que são menos significativas, como verduras, legumes que são plantados na região sul, tiveram perda total, mas isso conseguimos substituir com uma certa facilidade.

Tragédia no RS e a Inflação e índice IPCA

Então, no final, o que a gente tem é o impacto no preço de alimentos.

Falando de inflação, quando a gente olha o peso que o Rio Grande do Sul tem na composição do IPCA, hoje a região corresponde a 8,6% do peso atual da sexta daqueles produtos que estão no cálculo do IPCA. E as estimativas são que o grupo de alimentos no domicílio, que já viam pressionando o índice, subam de 3,9% para 4,5%. E essa alta no preço dos alimentos vai acabar levando a inflação para cima.

Só que aí cabe lembrar que essa inflação que a gente vê o IPCA é simplesmente uma média, que é trazida para baixo por conta de preços de coisas que as pessoas não estão consumindo.

A inflação do brasileiro em si, o que ele sente realmente no seu bolso, é muito pior.

Quando você pega uma família que ganhou um salário-mínimo, e aí cabe lembrar que 60% dos brasileiros vivem com salário mínimo, e esse pessoal vê o preço do arroz subindo 20%, que é mais ou menos a estimativa que o pessoal está dando de subida de preço, essa pode ser a diferença entre poder comer o arroz com uma carne bovina ou ter que comer só com feijão.

Sendo que, como a gente viu, a carne bovina pode subir também.

E dentro da composição do gasto de uma família, a maior parte do dinheiro vai para a alimentação. Segundo estimativas, até 64%.

Então isso já mostra o impacto que nós teremos por todo o Brasil. Talvez até em regiões onde há mais pessoas pobres, muito distantes do Sul. E aí pensando em mercado financeiro, os impactos também devem se espalhar para os investidores.

Mercado Financeiro – CRAs e Fiagros

Porque vamos lembrar que nos últimos anos, muita gente se animou com os FIAGROS, outros investidores também colocaram CRAs na sua carteira, aqueles Certificados Recebíveis do Agronegócio. Vários deles sem entender muito bem o que estavam fazendo, só viram que era um investimento de renda fixa, que pagava mais do que um investimento bancário, sem imposto de renda, e aí colocaram.

E quando vai olhar esse CRA, isso é uma dívida de um produtor que está lá no Rio Grande do Sul, que pode estar quebrando agora. Ou nos Fiagros, eles estão lotados de CRAs, o que daria mais segurança, mais diversificação. Mas se você olha realmente dentro de um Fiagro, são raros aqueles que não têm uma grande concentração em poucos CRAs, em poucos indivíduos, em poucos devedores.

De modo que um problema dessa magnitude, provavelmente vai aumentar bastante a inadimplência nos CRAs, o que vai deixar muita gente surpresa, porque simplesmente deixa o assessor colocar o que quiser na carteira, na hora que aquilo for marcado a mercado.

E também vai provocar uma enxurrada de pessoas, depois que a inadimplência começar, vendendo Fiagros.

Isso vocês podem anotar, vai acontecer.

Então se você tem Fiagro na carteira, fique de olho. Principalmente se você não sabe o que tem dentro daquele Fiagro, ou se ele é muito concentrado, o que é a regra de quase a maioria dos Fiagro hoje. Já que eles são muito novos, então tiveram muito tempo de diversificar.

E quanto a uma estimativa de impacto no país geral, o que a gente tem até agora, é um cálculo de um prejuízo que chega a cerca de 4,6 bilhões de reais, o que mostra que a reconstrução do Rio Grande do Sul será um processo mais lento, muito trabalhoso.

Só que essa estimativa de 4,6 é uma estimativa que ela deve estar muito longe do custo real, porque se a gente pega novamente um número dado pela Confederação Nacional dos Municípios, estimando os prejuízos com eventos climáticos no ano de 2023, onde o evento foi muito menos severo do que a gente está vendo agora, ele chega a uma soma de 105,4 bilhões de reais. Desse valor, mais ou menos 50%, 53,6 bilhões foram prejuízos para a agricultura e 15,3 para a pecuária.

E aí resta acompanhar como é que vai ser esse trabalho de reconstrução, que, como eu já disse, vai ser um processo lento, oneroso e que invariavelmente sairá do bolso de todos nós, porque não tem um recurso público do governo.

O governo consegue dinheiro tributando a gente, emitindo títulos públicos, ou seja, a dívida que no final será paga pelos nossos descendentes, a mais curta por nós mesmos, ou criando moeda, o que no final nos afeta via inflação.

E aí resta a nós zelarmos pelo bom uso desse dinheiro público, o que é complicado, e torcer para que as chuvas parem logo, para que o processo de vida na região sul possa se normalizar dentro do possível, porque infelizmente tem coisas que não voltam mais.

Tem gente que é resiliente, que já perdeu tudo ano passado, perdeu tudo agora de novo e vai reconstruir, mas infelizmente algumas pessoas perderam as vidas.

Eu espero que essa postagem ajude a você a entender a dimensão da situação do Estado do RS e suas implicações para todo o Brasil. Se você puder ajudar de alguma forma, por favor, ajude. Deixo os meus votos de que dentro do possível as coisas se acertem mais rapidamente. E os meus sentimentos a todos aqueles que foram vítimas dessas enchentes.

Author Box Example
Pedro Plantão Contábil

Pedro Henrique

Fundador e Contador do Escritório Plantão Contábil – Contabilidade Online para Profissionais da Área da Saude Formado pela UFU – Universidade Federal de Uberlândia, com registro no CRCMG sob nº 121901, dedica-se a instruir e a ajudar profissionais a prosperarem e a economizarem em impostos por meio de planejamento tributário e gestão financeira.


Loading

Write A Comment