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A Sociedade em Conta de Participação (SCP) é uma estrutura societária peculiar do Direito brasileiro, caracterizada pela ausência de personalidade jurídica própria. Ainda que seja menos conhecida do que modelos como a Sociedade Limitada (LTDA) ou a Sociedade Anônima (S.A.), a SCP possui aplicações bastante interessantes, sobretudo na hora de viabilizar projetos pontuais e buscar novos aportes de investimento. No entanto, ela também exige cautela de todos os envolvidos, pois há riscos trabalhistas e fiscais quando mal utilizada.

Neste artigo, vamos explorar os principais aspectos relacionados à SCP, passando pelo seu conceito, sua finalidade e suas características básicas. Também discutiremos as vantagens e riscos da adoção dessa estrutura em diferentes setores, com destaque para alguns exemplos práticos. O texto foi concebido para ser um guia introdutório, facilitando a compreensão de quem deseja conhecer mais sobre o assunto ou até mesmo planeja adotar uma SCP em seus negócios.

1. Conceito e características essenciais

A SCP é regida, sobretudo, pelos artigos 991 a 996 do Código Civil brasileiro. Trata-se de uma sociedade despersonalizada, ou seja, ela não tem personalidade jurídica própria. Isso significa que a SCP não aparece como sujeito de direitos e obrigações na mesma medida em que apareceria uma sociedade limitada ou uma sociedade anônima. Contudo, a legislação tributária atual, em especial a Instrução Normativa RFB n.º 1.863/2018, determina que ela obtenha um CNPJ, o que pode confundir os empreendedores mais desavisados.

Apesar de ter CNPJ para fins cadastrais e fiscais, a SCP não tem obrigação de se registrar na Junta Comercial para obter personalidade jurídica. Portanto, aos olhos da Receita Federal, existe um número de identificação para fins de recolhimento de tributos e cumprimento de certas formalidades fiscais, mas a SCP permanece “invisível” do ponto de vista do Direito Societário clássico. Essa ambiguidade gera dúvidas, mas a principal ideia é que o sócio ostensivo, que deve ser pessoa jurídica, conduz toda a atividade comercial e responde por obrigações trabalhistas, tributárias e administrativas.

Enquanto isso, o sócio participante (ou sócio oculto) investe capital e acompanha os resultados, mas não figura publicamente perante terceiros na condução do negócio. Ele não tem poder de gestão nem aparece como representante da sociedade. A relação entre sócio ostensivo e sócio participante está definida em um contrato particular, regido pelas regras do Código Civil e, claro, pelas disposições contratuais personalizadas que as partes estabelecerem.

2. Finalidade da SCP

A principal finalidade da SCP é viabilizar a participação de investidores em projetos específicos, sem que eles precisem figurar como sócios formais em uma empresa principal (por exemplo, em uma LTDA ou S.A.). Dessa forma, cria-se um instrumento de aporte de capital rápido e pontual, em que o investidor (sócio participante) não deseja ou não pode aparecer publicamente, nem assumir grandes responsabilidades legais.

A SCP costuma ser criada para um objetivo específico, por prazo determinado ou até que um projeto seja concluído. Ao final do empreendimento, encerra-se a SCP e distribui-se o resultado entre os sócios conforme o pactuado. Em seguida, se não houver continuidade, a sociedade se desfaz naturalmente, sem grandes formalidades de liquidação que se veriam em outros tipos societários.

Entre as aplicações práticas mais populares, cita-se o mercado imobiliário, em que empresas de construção e incorporação abrem SCPs para atrair investidores dispostos a aportar recursos para viabilizar determinado empreendimento. O sócio ostensivo (a construtora) executa a obra, contrata fornecedores, negocia com clientes e gerencia todo o processo de vendas, ao passo que os investidores, como sócios participantes, recebem parte do lucro quando as unidades são comercializadas.

3. Estrutura básica e papéis dos sócios

3.1. Sócio ostensivo

É aquele que aparece perante terceiros e gerencia a sociedade. Pelo art. 991 do Código Civil, o sócio ostensivo é o único responsável pelas obrigações derivadas das atividades da SCP. Isso abrange:

  • Gestão do negócio ou projeto;
  • Contratação de funcionários, fornecedores e parceiros;
  • Responsabilidade tributária e administrativa;
  • Eventuais litígios ou passivos trabalhistas oriundos do empreendimento.

Normalmente, é imprescindível que o sócio ostensivo seja pessoa jurídica, pois ele precisa ter capacidade para operar a atividade econômica de maneira estruturada. A SCP, apesar de não possuir personalidade jurídica, obtém CNPJ, mas não se constitui como sujeito legal autônomo.

3.2. Sócio participante (ou sócio oculto)

Conhecido como “sócio oculto”, ele não aparece formalmente perante terceiros como gestor ou representante da SCP. Sua principal função é investir capital (ou eventualmente serviços, desde que não seja o próprio objeto essencial do negócio), visando obter lucro no final do projeto. Ele não pode interferir diretamente na condução do empreendimento, sob pena de descaracterizar a natureza da SCP.

Por não figurar nas operações do dia a dia, o sócio participante tem uma exposição de risco menor, a princípio. Entretanto, caso ele exceda suas prerrogativas e atue na prática como gestor, poderá responder solidariamente por obrigações contraídas pela SCP, sendo que, nessa situação, ele deixaria de ser “oculto” e passaria a ser, de fato, um gestor sujeito às mesmas responsabilidades do sócio ostensivo.

4. Vantagens da SCP

  1. Simplicidade de constituição
    Por não demandar registro na Junta Comercial, a SCP pode ser constituída de maneira relativamente simples, com a formalização de um contrato. O ponto essencial é descrever as partes, as obrigações, os aportes de capital e as regras de distribuição de lucros.
  2. Flexibilidade
    A SCP adapta-se bem a projetos de prazo determinado ou a empreendimentos específicos. Ela também pode ser usada como uma forma de testar parcerias de investimento, sem que o investidor precise ingressar no quadro societário principal.
  3. Sigilo do investidor
    Uma das razões da escolha da SCP é a possibilidade de o investidor não figurar publicamente no projeto. Esse “sócio oculto” não é registrado na junta, nem aparece como dono de cotas ou ações em uma outra sociedade.
  4. Captação de recursos
    A SCP cria uma ferramenta de captação de capital para empresas que têm um projeto específico, mas não querem (ou não podem) modificar sua composição societária principal. Assim, a empresa (sócio ostensivo) consegue novos aportes, e o investidor, em contrapartida, tem participação nos resultados.

5. Exemplos de casos de uso

5.1. Construção civil e incorporação imobiliária

Possivelmente o mais conhecido, empreendimentos imobiliários são um exemplo clássico. Construtoras e incorporadoras podem abrir uma SCP para lançar um condomínio ou edifício residencial. Os investidores entram como sócios participantes, e, assim que as unidades são vendidas, os lucros são partilhados entre todos, extinguindo-se a SCP ao final do projeto.

5.2. Projetos de pesquisa e desenvolvimento

Empresas podem lançar mão de uma SCP para financiar uma iniciativa de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). Um grupo de investidores interessados na nova tecnologia aporta recursos, enquanto a empresa parceira, como sócio ostensivo, conduz as pesquisas e responde por patentes, fornecedores e contratações. Ao fim, se a tecnologia gerar patentes ou produtos comercializáveis, haverá divisão dos ganhos.

5.3. Parcerias pontuais em setores específicos

A SCP pode ser aplicada em setores variados, como logística, agronegócio, cultura e até mesmo eventos. Sempre que houver a necessidade de ter um sócio silencioso que injete capital em algo pontual, sem modificar a estrutura societária da empresa principal, a SCP pode se mostrar uma solução viável.

6. Pontos de atenção: riscos e cuidados

Apesar das facilidades, a SCP pode acarretar riscos quando usada de forma indevida ou mal estruturada. Alguns pontos merecem atenção:

  1. Descaracterização da SCP
    A grande armadilha é o sócio participante, na prática, exercer atividades de gestão, controle ou direção do negócio. Isso fere o modelo legal, pois o art. 991 do Código Civil afirma que o sócio ostensivo é o único responsável pela execução do objeto social. Se o sócio oculto atua diretamente, ele perde essa “ocultabilidade” e pode responder solidariamente.
  2. Riscos trabalhistas
    Em alguns casos, empresas tentam utilizar a SCP como forma de mascarar vínculos empregatícios ou de prestação de serviços. Por exemplo, contratar profissionais como sócios participantes, mas, na prática, exigir subordinação e outras características típicas de um contrato de trabalho. A Justiça do Trabalho, se verificar esses elementos (habitualidade, pessoalidade, onerosidade e subordinação), pode reconhecer o vínculo empregatício, gerando grande passivo trabalhista para o sócio ostensivo.
  3. Questões tributárias
    O Fisco pode vir a fiscalizar a SCP para assegurar que não esteja havendo “disfarce” de remuneração como se fosse distribuição de lucros. Sempre que houver indícios de que as atividades do sócio participante não sejam meramente de investidor, pode haver requalificação dos valores recebidos. Além disso, o sócio ostensivo é quem, em última instância, responde pelo recolhimento de tributos incidentes sobre as operações do projeto.
  4. Insegurança do investidor
    Como a SCP não se registra na Junta Comercial, toda a relação depende do contrato firmado entre as partes. É fundamental redigir esse contrato de modo minucioso, prevendo responsabilidades, prazos, cláusulas de saída, regras de governança e mecanismos de solução de conflitos (como mediação ou arbitragem). A ausência de formalização clara pode deixar o investidor desprotegido ou gerar litígios complexos.
  5. Inviabilidade para sociedades optantes pelo Simples Nacional
    A Lei Complementar 123/2006 prevê que empresas do Simples não podem participar de sociedades, exceto em situações muito específicas. Como a SCP é considerada, para fins tributários, equiparada a pessoa jurídica, pode haver impedimento legal para ME ou EPP do Simples Nacional atuar como sócio ostensivo ou participante.

7. SCP no setor de saúde e outras aplicações sensíveis

Em setores como o de serviços médicos, há relatos de uso de SCP para remunerar profissionais de saúde (médicos, por exemplo) como sócios participantes, sem incidência de encargos trabalhistas ou tributários. Contudo, essa prática é alvo de questionamentos pelos tribunais superiores, pois viola a essência da SCP ao permitir que o sócio participante atue diretamente na prestação dos serviços. Se o investidor não se limita a investir recursos, mas exerce o objeto social da empresa (atendimentos e consultas), a Justiça do Trabalho ou a Receita Federal podem entender que isso configura disfarce de vínculo empregatício ou prestação de serviços sem recolhimento devido de impostos.

Assim, ainda que a SCP tenha um campo de aplicação legítimo em diversos setores, seu uso indiscriminado para evitar obrigações trabalhistas ou fiscais pode gerar grandes passivos, multas e até responsabilidade criminal por fraude. Dessa forma, no setor da saúde ou em qualquer área que envolva prestação direta de serviços, o ideal é que os profissionais constituam seus próprios CNPJs (por exemplo, como sociedades simples ou limitadas) e firmem contratos de prestação de serviços com o hospital ou clínica.

8. Conclusão: a importância do planejamento e da conformidade

A Sociedade em Conta de Participação é uma ferramenta bastante útil para quem busca flexibilidade na captação de capital e no desenvolvimento de projetos específicos de prazo determinado. Ela possibilita que um sócio principal (ostensivo) permaneça à frente do negócio, enquanto investidores (participantes) injetam recursos e aguardam os resultados. No entanto, essa estrutura requer planejamento minucioso, pois a falta de cuidados na elaboração do contrato ou no exercício do objeto social pode resultar em penalidades graves.

Antes de constituir uma SCP, é fundamental obter orientação jurídica e contábil especializada. Um contrato bem redigido, que detalhe direitos, obrigações e limites de cada sócio, é crucial para evitar litígios e confusões futuras. Também é indispensável respeitar os limites legais, evitando tratar o sócio participante como um “funcionário disfarçado” ou conduzi-lo a atividades que caracterizam a gestão direta do negócio.

Por fim, em alguns casos, é mais vantajoso adotar outras formas de sociedade, como uma sociedade limitada ou anônima, dependendo dos objetivos de cada projeto, dos valores envolvidos e do perfil dos investidores. O importante é avaliar, junto a assessores técnicos, qual o melhor modelo para o perfil de investimento e como manter o empreendimento conforme a legislação vigente.

Em resumo, a SCP é uma via de mão dupla. De um lado, oferece oportunidades de investimento rápido e direcionado, favorecendo o sócio ostensivo e o sócio participante. De outro, gera responsabilidades e riscos que devem ser sopesados com cuidado, para que todos os envolvidos tenham segurança jurídica e não incorram em passivos inesperados. Feitos os devidos esclarecimentos e seguindo-se as boas práticas, a SCP pode ser um instrumento eficaz e lucrativo para execução de projetos bem definidos.

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Pedro Plantão Contábil

Pedro Henrique

Fundador e Contador do Escritório Plantão Contábil – Contabilidade Online para Profissionais da Área da Saude Formado pela UFU – Universidade Federal de Uberlândia, com registro no CRCMG sob nº 121901, dedica-se a instruir e a ajudar profissionais a prosperarem e a economizarem em impostos por meio de planejamento tributário e gestão financeira.


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